quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

Contos de São Paulo :. P.05


Primeiro conto do colunista Adriano Travizan. Enjoy it.

Thaís

Eram 8h35, tocava um emo no rádio e eu seguia pelo caminho diário rumo à sala fechada com ar condicionado que as pessoas costumam chamar de trabalho. Era a rotina, menos por aquele Peugeot 206 que freou do nada enquanto eu desviava o olhar para entrar na outra rua sem parar. Amassar justo o pára-choque de um Peugeot 206, o carro que pretendo comprar um dia? Pelo menos era preto, não prata. Alguns segundos de lamentações depois, eis que ela desce do carro: a motorista assassina e louca do carro da frente. Ela desce chorando, então deixou de ser louca. Quando se aproxima, vejo que é bonitinha e tenho vontade de abraçá-la. Pronto, já não é mais louca e assassina, mas simplesmente a motorista do carro da frente.

É a nossa primeira vez, não sabemos o que fazer. A seguradora pede um boletim de ocorrência e, apesar da franquia ser absurdamente alta e nem adiantar acionar o seguro, vamos até a delegacia formalizar aquele primeiro encontro físico mais do que intenso. No caminho, encontramos sua tia, que nos leva a outra delegacia: a primeira é só para acidentes com vítima. Mas quem disse que não houve uma vítima? Eu, com um namoro recém-terminado, a pessoa mais carente da calçada esquerda da rua Antônio Tavares, fui vítima daquele choro ao descer do carro. Quero indenização!

Sem problemas na polícia (meu segundo B.O. em pouco mais de seis meses. Bem-vindo a São Paulo, sua criança mimada), voltamos aos carros e ela pega meus dados para ligar depois. E eu, ainda abalado por ter feito aquela estudante de Administração chorar, não anoto sequer o sobrenome dela. Placa do carro? Telefone? E-mail? Número que calça? Nada! Ela promete ligar "mais para o final do mês", quando levar o carro para fazer orçamento. E eu fico aqui esperando, sem saber se torço pra nunca ligar (sim, bati atrás e terei que pagar), ou se quero que ligue logo, marcando um dia para melhorarmos a impressão errada do primeiro encontro. Pensando bem, melhor nem ligar. Ela vai querer que eu deposite o dinheiro, e eu aqui sonhando com um novo encontro menos traumático. Deveria ter batido mais forte naquela louca assassina.

- por Adriano Travizan

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